Desde o fim do 2023 até o momento em que escrevo, temos visto um grande número de ocorrências na aviação, nos seus mais diversos segmentos (asas rotativas, agrícola, desportiva, instrução, transporte regular, para citar alguns). A frequência destas ocorrências acabou por pautar na imprensa uma presença constante do tema da Segurança de Voo e uma questão de difícil resposta: o que está acontecendo para justificar tantos casos em tão pouco tempo?
Como cada caso é um caso e temos aqui aeronaves, regiões, missões e circunstâncias muito distintas entre si a resposta transita entre a impossibilidade de uma conclusão e uma aleatoriedade angustiante.
De toda forma, algumas coisas sempre podem estar relacionadas, e serem comuns a casos aparentemente sem correlação e aqui cabe refletir. Instrução, fiscalização e uma das palavras mais importantes da atividade aérea: cultura.
A partir destes elementos, podemos especular sobre algo invisível e perigoso, que chega de repente e sem avisar e ninguém está imune: complacência.
Em cada caso sempre iremos encontrar algum indício de um estado de segurança assumido, mas que se mostra incorreto pelo resultado atingido. Estaremos permitindo que a complacência nos afete? Estaremos perdendo de vista a cultura de Segurança comum a todos os elos?
Na falta desse nexo de causa que impede identificar um motivo único para o fenômeno, exploremos estas possibilidades.
Estaremos aceitando mais riscos e nos tornando menos conservadores? Estaremos confiantes demais nos índices de segurança e ignorando sinais e aspectos operacionais que antes nos protegiam de perigos? É sempre bom se fazer este questionamento com certa frequência.
Se este não for o caminho mais assertivo e a hipótese mais correta, ela não deixa de ser uma defesa e uma questão sempre necessária, ainda mais com o dinamismo de mudanças na nossa atividade.
Vivemos muitas transições relacionadas ao humano, ao meio e à máquina. Novas gerações de aviadores iniciando suas trajetórias, mudanças climáticas globais e novas tecnologias cada vez mais acessíveis são uma realidade neste momento. Toda gestão de mudança exige um reforço e uma revisão do aspecto cultural.
Por isso, cabe a cada um, em primeiro lugar, questionar a si mesmo se não estamos nos tornando excessivamente confiantes e ilusoriamente mais seguros por uma experiência que ainda não contempla estas mudanças e uma crença incorreta sobre as facilidades que têm permitido uma operação mais apoiada em tecnologias ainda não incorporadas nas nossas defesas?
Importante contextualizar o significado da palavra complacência para efeito deste artigo, dado que há muitas formas de compreende-la: refiro-me a uma indulgência indevida, uma falsa sensação de estar em conformidade com o que nos é requerido, portanto um estado de auto engano, não intencional, porém arriscado.
Remédios ou vacinas aplicáveis passam pelo auto questionamento, revisão de conceitos básicos e acima de tudo: reforço da cultura de segurança indispensável à nossa atividade.
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