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HISTÓRIA DA AVIAÇÃO NO BRASIL – PARTE 7

Por: Cmte. Pedro Canabarro Clique aqui para ver as outras partes

 

A HISTÓRIA DA VARIG

Falar de história recente, além de ser complexo, é, como dizem os espanhóis, andar em terreno pantanoso, pois os fatos ainda estão sofrendo a subjetividade de quem os viveu. Isso faz com que a observação histórica seja influenciada pelos conceitos e valores de quem analisou os fatos. Assim, os documentos existentes ainda não foram observados sem a neutralidade necessária, que só é conseguida com certa distância temporal.

Porém, falar de história recente também pode ser gratificante, porque abre novas linhas de interpretação dos fatos. Dito isso, me atrevo a tentar a tratar da história de empresas aéreas brasileiras que sobrevoavam os céus do Brasil até poucos anos atrás.

A história da companhia se inicia vinculada aos interesses e ao controle do capital alemão, embora sejam limitadas a quantidade e a qualidade dos materiais e documentos encontrados sobre esta relação. Algumas provas recentes, porém, colocam a Varig como participante do grande plano germânico de construção de influências no Brasil, ainda que essa relação careça de uma maior investigação histórica.

Sabe-se hoje que o foco principal da Alemanha era, sem dúvida, o Condor Syndikat, ficando a Varig em um plano à parte e com menor investimento – que era destinado ao Condor Syndikat. Isso muito provavelmente porque o Condor Syndikat, localizado no Rio de Janeiro, poderia ter um melhor acesso ao governo central brasileiro e exercer maior influência sobre este.


Outra razão seria a maior proximidade para atingir a Colômbia, conectando o Condor Syndikat com a SCADTA e, por consequência, os com os Estados Unidos – objetivo principal dos alemães.

A Varig acabaria então por surgir da iniciativa praticamente solitária e obstinada de Otto Ernest Meyer Labastille. Nascido no Haiti, filho de mãe francesa e do adido militar alemão daquele país, Otto havia sido oficial da força aérea alemã na Primeira Guerra Mundial e voltaria a servir o exército alemão na Segunda Grande Guerra.

Ele já havia tentado criar uma empresa aérea no Rio de Janeiro juntamente com dois antigos companheiros de exército alemão, em 1921 e, mais tarde, em 1924, porém sem sucesso. No Rio, Otto trabalharia para a Empresa de Navegação Hamburgo – América do Sul, companhia que seria acusada de estar associada a espionagem nazista no Brasil por diversas vezes.

Em 13 de janeiro de 1923, Otto Ernest Meyer acabou por se mudar para Porto Alegre e, finalmente, em 1926, iniciou seu projeto de fundação da Varig.

No dia 6 de outubro 1926, apresentou um requerimento de isenção de impostos estaduais por 15 anos para a abertura de uma empresa aérea. Começava, assim, a relação administrativa e de favorecimentos governamentais que marcaria a história da empresa. E que seria tanto um dos motivos de seu sucesso quanto uma das causas colaboradoras de seu fim.

Enquanto Meyer lutava por tornar viável a Varig, o Condor Syndikat crescia e voava em céu de brigadeiro no Brasil. Após várias tratativas e negociações que incluíam uma ida a Alemanha, ao que parece, Meyer se deu conta de que os esforços do governo alemão seriam usados principalmente com o Condor Syndikat. Assim, em abril de 1927, é constituída a subscrição de ações para participação na Varig.

Em 7 de maio de 1927, seria reunida pela primeira vez a assembleia geral da Varig, composta então de 550 acionistas fundadores, sendo nesta assembleia constituída a diretoria e o estatuto da empresa. A composição acionária apontava como maior acionista e participante o Condor Syndikat, com 21%.

Finalmente, em 10 de maio de 1927, é oficialmente registrada a Varig, que receberia em 10 de junho do mesmo ano a permissão para explorar o tráfego aéreo no litoral de Santa Catarina e no Rio Grande do Sul – podendo estender suas linhas até o Uruguai se obtivesse autorização do governo daquele país.

A primeira rota da Varig seria a Linha da Lagoa, que até então vinha sendo operada pelo Condor Syndikat. Ela passaria a ser explorada pela Varig a partir de 10 de junho de 1927, com o hidroavião Atlântico cedido pelo Condor Syndikat.

Em 6 de fevereiro de 1928, mais um hidroavião seria cedido pela Condor, aumentando o capital e a participação daquela empresa na Varig. Finalmente, em 10 de maio daquele ano, o Condor Syndikat fez uma proposta para assumir em definitivo o controle da Varig e fundir as duas empresas. Proposta que acabou sendo recusada por Meyer.

Em 1929, a Varig estreitou sua relação com o governo do Estado do Rio Grande do Sul e recebeu 25 mil contos de réis a título de subvenção para construção de estação de passageiros em Rio Grande. No ano seguinte, o governo estadual firmaria o primeiro contrato de subvenção de linha com a empresa.

Getúlio Vargas


Em 1930 iniciaram-se os movimentos da revolução que levaria Getúlio Vargas ao poder e provocaria mudanças definitivas no país e na Varig.

Muitos fatos ainda carecem de esclarecimentos, mas alguns pesquisadores já afirmam que Otto Ernest Mayer apoiou e participou ativamente dos movimentos revolucionários de Getúlio Vargas.

Alguns historiadores chegam a apontar que Meyer, juntamente com Osvaldo Aranha, teria voado ao Uruguai para comprar armamento para os rebeldes de Getúlio Vargas. Tal comprometimento explicaria as boas relações que a Varig teria no pós-revolução. Bem como poderia explicar o afastamento repentino, quase que estratégico, entre ela e o Condor Syndikat, mais próximo ao governo federal.

Nesse período político conturbado, o Condor Syndikat retomou os dois aviões cedidos para a empresa e retirou todo o capital da empresa de Mayer, saindo em definitivo da sociedade com o Varig.

Após 3 anos de existência, a Varig encontrava-se no chão, sem aviões e sem dinheiro, ameaçada de falência. Ainda hoje não se sabe o paradeiro de um milhão de contos de réis que eram do capital subscrito na fundação da empresa e que poderiam tê-la salvado. Como tal quantia nunca foi encontrada, a saída foi procurar o governo do Estado do Rio Grande do Sul e o grupo de Vargas.

Morane Sauliner Ms 130


Com Getúlio já no poder no Rio de Janeiro, em novembro de 1930, o estado do Rio Grande do Sul repassou à Varig 1.200 contos de réis e dois aviões monomotores: um Morane Sauliner Ms 130 e um Nieuport 641. Ambos haviam sido usados na revolução recém terminada.

Depois, em janeiro de 1931, a Varig conseguiu renegociar o aluguel do hidroavião Dornier Merkur Gaúcho, de propriedade do Condor Syndikat, para retomar a Linha da Lagoa. Também em outubro de 1931, o governo do estado aportou 1.200.000$000 contos de réis na Varig. Em troca, recebeu 1050 ações da empresa.

Com esse dinheiro, seriam comprados dois Junkers F13 com capacidade para quatro passageiros, para abrir rotas ao interior do estado do Rio Grande do Sul, fazendo com que finalmente decolasse como empresa aérea.

Até o final de 1941, seriam acrescentadas mais duas aeronaves Junkers A 50, um Junkers Ju 52, um Messerchimitt Taifun Me 1086, um Messerchimitt Me 206 e dois Focke-Wulf 58 alugados junto ao Condor Syndikat. Com essa frota, a Varig consolidou linhas diárias para o interior do Estado e oito voos semanais na Linha da Lagoa.

Focke-Wulf 58


Com a chegada da Segunda Guerra e a aproximação cada vez maior do governo brasileiro aos interesses norte-americanos, Meyer foi forçado a deixar a presidência da Varig e retornar à Alemanha.

Talvez esta seja esta a parte mais obscura e menos documentada da história da Varig. Alguns documentos achados recentemente, no entanto, podem indicar o porquê desta repentina desistência de Meyer. Em uma pesquisa recente sobre sociedades comerciais germânicas no sul do Brasil, foram encontrados documentos que afirmam ter Meyer sido preso por dois dias em 1939, devido a equipamentos ilegais para montagem de uma estação de rádio transmissão clandestina.

Tais equipamentos haviam sido levados por um avião da Varig até Rio Grande para serem entregues a um navio comercial alemão, que se encontrava retido no porto desde o início da Guerra. Segundo a polícia, Meyer teria participação direta no episódio.

Em outros documentos, foram encontradas também a filiação ao partido Nazista e registros de contribuições sistemáticas em dinheiro de Meyer ao partido.

Érico Assis Brasil


Após afastamento forçado de Meyer, o próprio Getúlio Vargas indicaria o piloto Érico Assis Brasil para assumir a presidência da Varig. No entanto, o mesmo acabou morrendo em acidente aéreo logo a seguir.

Assim, a presidência da Varig acabou sendo assumida por Ruben Berta, uma escolha do próprio Meyer. Com Berta no comando e a política de “desgermanização” das empresas aéreas brasileiras, restou à Varig iniciar um novo ciclo.

Em 1942, a Varig encerrou o ciclo germânico de sua frota ao receber o bimotor inglês Dragon Rapide – avião que nos anos 2000 chegou a ser recuperado e alocado no MUSAL, no Rio de Janeiro.

Ruben Berta


Em 1945, Ruben Berta convenceu o governo do Estado do Rio Grande do Sul e outros acionistas fundadores a doarem suas cotas de ações da Varig para uma fundação dos funcionários, que assim seriam então os donos da empresa.

Essa fundação controlaria a empresa e seria composta por funcionários da própria Varig. Uma iniciativa inovadora e diferente no mundo financeiro até então.

A fundação que recebeu o nome de Berta após sua morte foi fator determinante para o sucesso e o crescimento da empresa, mas também seria uma das causas determinantes de sua falência.

A Varig seguiu construindo sua história e crescendo, incorporando empresas como a Real e a Aerovias Brasil. Também incorporou em 1961 a Nacional, que fazia parte do consorcio da REAL, e, mais tarde, em 1975, assumiu o controle da Cruzeiro do Sul.

Com o fechamento unilateral e autoritário da Panair do Brasil pelo governo militar, em 11 de fevereiro de 1965, a Varig absorveu quase a totalidade das linhas internacionais da Panair, tornando-se a maior empresa aérea do país.


O fechamento da Panair do Brasil é mais um episódio obscuro da história aeronáutica brasileira. Muito ainda se tem que investigar e a falta de documentos faz com que muitas teorias sejam especuladas. Uma delas é que a Varig teve participação direta no ocorrido.

Se analisarmos os fatos no contexto histórico e político, podemos especular que a Varig foi uma ferramenta e, obviamente, a maior beneficiada, usada pelo governo para auxiliar no fechamento da Panair. Vale lembrar que, antes mesmo do Governo Vargas, a influência alemã na cultura, no comércio e na política era grande, e se tornaria ainda maior. Os Estados Unidos, já preocupados com isso, começaram a investir politicamente e economicamente no Brasil, fazendo uma aproximação ao governo Vargas.

Porém, dentro do governo Vargas, os setores militares eram contrários a aproximação em demasia com os norte-americanos. A maioria dos militares era, por tradição ideológica, nacionalista, e viam os Estados Unidos como mais um a ameaçar a integridade e os interesses da nação. Uma constante preocupação para esse grupo era o poder e a liberdade de operação que haviam sido outorgados à Pan Am pelo grupo de Vargas e Aranha.

Franklin Roosevelt


Graças a essa investida, que conta com a vista oficial do presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, diversos investimentos com dinheiro americano viriam ao Brasil.

A Pan Am era, sem dúvida, uma ferramenta do governo norte-americano para esse fim. Documentos indicam que o governo americano comprou aviões e fazia o leasing para a Pan Am por dois dólares.

Assim, através da Panair, a Pan Am assumiu praticamente o controle da aviação no Brasil, inclusive a construção e a administração de toda a infraestrutura aeroportuária e de navegação aérea. Isso acabaria por provocar um descontentamento enorme nos militares e no então ministro da guerra de Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, um dos idealizadores do grupo de militares que iria tomar o poder em 1964.

Sempre incomodou os militares brasileiros o fato de a Pan Am influenciar a Panair do Brasil, assim como seu envolvimento até em espionagem. Provavelmente, foi um dos motivos para o desfecho autoritário após a tomada de poder pelos militares no país.

O período pós-Panair acabou por colocar a Varig em uma zona de conforto que seria mortal no futuro. Sem concorrência e com as benesses governamentais a seu favor, a administração da Varig afundaria em sua própria inépcia.

A Fundação Ruben Berta, que havia sido fonte do sucesso da empresa, transformou-se em um mero conselho concordante com o presidente da empresa. O método de acesso ao colégio deliberante da fundação Ruben Berta havia sido mudado e agora, para entrar no colegiado, era necessário ser indicado por alguém dele próprio. Fechando-se assim um ciclo vicioso que levou a ineficiência e corrupção.

O golpe final, contudo, seria dado por aquele que um dia fora o maior benfeitor da empresa: o governo brasileiro.

A Varig já vivia uma crise desde o governo Fernando Color, quando foi aberto o mercado de voos internacionais para a Vasp e a Transbrasil, permitindo assim a entrada de outras empresas americanas no mercado e acabando com seu monopólio.

Apesar das dificuldades e dívidas, a empresa continuava a operar, esperando uma recuperação com o pagamento de uma dívida que o governo tinha consigo. Dívida essa originada em um dos tantos planos econômicos feitos no país, por ocasião dos congelamentos de preços e tarifas feitos entre 1985 a 1992.

Na época, o montante a receber do governo era superior a toda a dívida que a Varig tinha. Um simples acerto de contas bastaria para salvar a empresa.

Porém, em 2006, governo se recusou a reconhecer a decisão do STF e a dívida, condenando assim a Varig a falência.

A Varig, após alguns meses, encerraria sua história de 89 anos de maneira melancólica e triste. Fato que marcaria o início de um novo ciclo na aviação comercial brasileira.

Pôster com todos os aviões usados pela Varig, feito pelo membro honorário da ABRAPAC, Gianfranco Beting (betingbooks.com.br)


Durante sua existência, a empresa usou 34 tipos de aviões e teve rotas por quase todos os continentes. Atingiu níveis de excelência reconhecidos em todo o mundo e ajudou de maneira direta o desenvolvimento da aviação no país.

Foi por muito tempo a maior empresa do Brasil e uma das maiores e mais competentes do mundo. Muitos fatos e histórias do país se desenrolaram tendo a companhia e seus aviões como plano de fundo. E, por tudo isso, merece que sua história seja preservada.

A maior parte do acervo da Varig está hoje sob a tutela de um grupo privado no Rio Grande do Sul, que tem planos ambiciosos de transformá-lo em um museu. Atualmente, pode-se ter uma amostra do trabalho dessas pessoas visitando-se o complexo Boulevard Laçador, próximo ao aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre.

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