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HISTÓRIA DA AVIAÇÃO NO BRASIL – PARTE 9

Por: Cmte. Pedro Canabarro Clique aqui para ver as outras partes

 

Aerolloyd Iguassú e VASP 

O Aerolloyd Iguassú é mais uma empresa aérea da qual, infelizmente, sabe-se muito pouco. Não há quase nenhum registro sobre sua história e sobre o destino de seu acervo.  

A empresa surgiu graças ao apoio e aos investimentos da Leão Junior, dona da famosa marca Matte Leão. Ela havia sido responsável pela criação do ciclo da erva mate no  Paraná e tornando esse produto a maior riqueza da região. A tal ponto que as folhas de erva mate passaram a fazer parte da bandeira do Paraná. Assim, sob sua tutela, surgiria em 1933 o Aerolloyd Iguassú, em Curitiba.  

Em 30 de junho de 1933, a empresa recebeu a autorização para a rota entre Curitiba e São Paulo. Seriam 4 voos semanais realizados inicialmente por dois aviões monomotores Klemm K1 31A de três lugares. No ano seguinte, receberia três aviões Stinson Reliant de quatro lugares, com os quais iniciou a rota de Curitiba para Joinville, que posteriormente seria estendida até Florianópolis, em 1935.  

A falta de mão de obra especializada na região, principalmente de mecânicos, bem como as condições climáticas de Curitiba, impediam a empresa de cumprir regularmente seus voos.

Stinson Reliant


Também foi determinante para o fracasso da Aerolloyd Iguassú a escolha de aviões monomotores de baixa performance para operar a partir de Curitiba em rotas predominantemente montanhosas.

Assim, em 28 de março de 1939, a empresa foi vendida para a VASP, que tinha interesse em operar a linha São Paulo-Florianópolis, passando por Curitiba e Joinville.

 

VASP – Viação Aérea São Paulo

A VASP foi fundada em 4 de novembro de 1933 por iniciativa privada. Como suas contemporâneas, foi influenciada pelo contexto histórico e político em que seus fundadores viviam.  

A companhia manteria um tipo de  relação com o Estado que seria determinante para seu sucesso inicial e, mais tarde, para seu declínio e extinção. Embora nunca tenha se envolvido no jogo de influências que confrontavam Estados Unidos e Alemanha, como ocorreu com a VARIG, por exemplo, a VASP viveu seus momentos de polarização através da política interna do país.

A empresa iniciou suas atividades administrativas em 12 de novembro de 1933, mas só receberia sua autorização de voo em 31 de março de 1934. Esse atraso é percebido por alguns historiadores como retaliação por parte do governo de Getúlio Vargas.

Importante lembrar que, pouco antes, durante a Revolução Constitucionalista de 1932, um grupo de revolucionários paulistas havia roubado um hidroavião da Panair. Esse episódio iniciaria um período da desconfiança e preocupação por parte do Governo Federal, que posteriormente relutaria em permitir a existência de uma empresa aérea paulista. Muitos temiam que a intenção fosse treinar pilotos para uma futura revanche.

Quando de sua fundação, a VASP era uma empresa privada composta pelo capital de 72 empresários, sendo um deles sobrinho de Santos Dumont. A empresa já nascia com dois bimotores ingleses Monospar para três passageiros, que haviam sido comprados antes mesmo da fundação oficial. A autorização de voo compreendia rotas nacionais apenas, ligando São Paulo às cidades de Ribeirão Preto, Uberaba, São Carlos e Rio Preto.  

Em 1934, a VASP recebeu mais um avião, um De Havilland 84 Dragon de seis lugares. Nesse mesmo ano, enfrentaria sua primeira crise, devido a vários acontecimentos. Um deles seria a interdição do único aeródromo da capital paulista pelo governo de Vargas. Porém, o mais determinante era a falta de infraestrutura no estado de São Paulo, que, devido às fortes chuvas, tinha o único aeródromo da capital interditado por longos períodos.

Por isso, a VASP alegava necessitar de apoio financeiro do Governo do Estado. Buscava uma subvenção e justificava-se com um prejuízo de doze contos e quinhentos mil réis. 

Diante de tais alegações, o Governo do Estado de São Paulo resolveu assumir o controle acionário e a administração da companhia aérea, adquirindo 91,6% das ações. 

Junkers JU52/3M


Em julho de 1935, a empresa conseguiu uma subvenção estadual anual de 500 contos de réis por um período de dez anos, o que lhe permitiu aumentar sua frota em mais dois aviões trimotores Junkers JU52/3M.

Se, por um lado, a entrada do governo na empresa saneou as finanças, por outro, iniciou um processo de contínua rotatividade de sua direção, que seria determinante no futuro para sua falência. Seus presidentes ficavam subordinados a cada troca de governador. Seriam quase sempre escolhidos por motivos políticos. Em muitos casos, eram despreparados e alheios às atividades da aviação.

Em 5 de agosto de 1936, a VASP inaugurou a linha que no futuro se transformaria na mais famosa e charmosa do país: a Ponte Aérea São Paulo-Rio de Janeiro. 

Em 28 de março de 1939, comprou o Aerolloyd Iguassu e, no final de novembro daquele ano, iniciou a exploração das rotas desta empresa para o sul do Brasil.  

Gov. Adhemar de Barros


Em 1949, a VASP seria palco de negócios obscuros envolvendo o setor público e o privado, que merecem certamente uma pesquisa mais profunda e um capítulo à parte na história da aviação brasileira. A empresa comprou a Aerovias Brasil para revendê-la apenas quatro meses depois ao então governador de São Paulo, Adhemar de Barros, e ao seu sócio Olavo de Fontoura. Alguns meses depois, Olavo de Fontoura passaria suas ações da Aerovias Brasil para o Governador Adhemar de Barros.   

No dia 4 de abril de 1962, a VASP comprou o consórcio Lóide Aéreo. O consórcio era formado pela empresa líder, o Lóide Aéreo Nacional, pela NAB (Navegação Aérea Brasileira S. A), pela Taba (Transportes Aéreos Bandeirante S. A.) e pela Lemcke Indústria e Comércio, especializada na revisão de motores. A partir daí, a companhia passou a atender 72 destinos e aumentou sua frota em oito Curtiss C-46 Commando, oito Douglas DC-4 e quatro DC-6A.

Com o fechamento da Panair em 1965, a VASP tentou assumir a operação da empresa extinta através do Banco do Estado do Estado de São Paulo. Mas a proposta foi refutada pelas autoridades federais.  

No final dos anos 1960, a VASP estava deficitária e enfrentava problemas financeiros que haviam impedido a reestruturação sua frota. A empresa ainda contava com aviões a hélice, e a era do jato só chegaria para ela em 1968, com os BAC 1-11.  

BAC 1-11 – PP-SRT da VASP


Em 1978, a constante disputa entre os interesses estatais e privados na VASP provocaria CPIs no Congresso e acusações de ambos os lados. Os gestores da VASP apontavam como causa de seus problemas a negação por parte do Ministério da Aeronáutica aos pedidos de empréstimos externos para a aquisição de aeronaves. Também se aventava perseguição federal e sabotagem sindical. 

Do outro lado, opositores e funcionários acusavam os gestores de efetuar contrações políticas, demissões injustificadas e desvios de recursos.  

Os anos 1980 começaram com a VASP em meio a novas denúncias de corrupção, aparelhamento político, contas bancárias ilícitas no exterior, contrabando de peças de aeronaves e desvios de dinheiro que somavam 700 milhões de cruzeiros. Ainda assim, a empresa finalmente recebeu autorização para a importação de novos jatos e a liberação para voos fretados ao exterior.

Airbus A300 da VASP


Os problemas financeiros causados pela constante má gestão e pelas disputas políticas internas se agravaram após a eleição de André Franco Montoro, em 1983. A companhia foi loteada politicamente em diferentes níveis. Para algumas bases, foram nomeados gerentes gerais oriundos dos quadros partidários. Uma leva de ex-deputados e membros do partido virou gerente regional sem o menor conhecimento do cargo. 

Contrariando uma posição mercadológica, a VASP se transformou em um braço da oposição no apagar das luzes dos governos militares. Chegou a operar com prejuízo de US$ 30 milhões anuais e devia US$ 750 milhões nos anos 80.

Com a chegada de Orestes Quércia ao Governo do Estado de São Paulo, em 1987, a privatização da VASP entrou em pauta, mas de forma obscura, a ser feita pelo grupo de PC Farias. No dia 4 de setembro de 1990, o Grupo Canhedo pagou US$ 43 milhões por 60% das ações e pelo controle da empresa, que tinha um patrimônio avaliado em 700 milhões de dólares e uma frota de 32 aviões.  


A reestruturação da VASP, agora privatizada, seria mais um de tantos negócios obscuros da era Collor. A empresa não foi capitalizada, como seria indispensável. Apesar disso, quase dobrou sua frota em poucos anos e ampliou suas rotas para quase todo o continente. Adquiriu o controle do Lloyd Aéreo Boliviano em mais um negócio obscuro.

Todo esse crescimento não pôde ser sustentado por muito tempo e, em 2004, a VASP começou a parar. A empresa incorreu em vários expedientes ilegais para tentar manter sua operação, como descontar dos salários dos funcionários as contribuições devidas à Previdência Social, sem repassar o dinheiro ao INSS. Também não quitava os tributos federais ou as taxas devidas à Infraero e atrasava o pagamento de combustível à BR Distribuidora.

Para continuar operando, buscou constantes refinanciamentos e rolagem de dívidas. Tomou empréstimos em condições irregulares, usando documentos supostamente falsificados. E o dinheiro que entrava não era destinado a investimento.


O Grupo Canhedo praticou toda a sorte de desmandos na gestão da VASP. A empresa, que 15 anos antes detinha 31% do mercado e era a segunda maior do setor, viu cair sua participação para 0,75% do mercado no início de 2005. Em janeiro daquele ano, o DAC cassou a autorização de voo da VASP, encerrando uma história de 72 anos.  

A VASP foi uma das mais importantes empresas aéreas do Brasil. Contribuiu de maneira significante para o desenvolvimento da aviação no país. Formou profissionais qualificados e de alto nível. Mas, infelizmente, foi mais uma companhia aérea a desaparecer no obscuro mundo da política econômica brasileira. 

Triste também é a perda quase total de sua história. Muito do acervo da VASP foi dilapidado, perdido e abandonado, sem que ninguém tivesse a tutela de tal patrimônio. Um verdadeiro crime contra a memória da aviação.

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