(Tradução do F.A.Q. presente no site da Aerotoxic Association)
O que é a Síndrome Aerotóxica?
Síndrome aerotóxica é o nome dado a uma doença causada pela exposição ao ar contaminado em aeronaves a jato. O termo foi introduzido em 20 de outubro de 1999 pelos pesquisadores Harry Hoffman, Chris Winder e Jean Christophe Balouet em seu estudo Síndrome aerotóxica: efeitos adversos na saúde após exposição ao óleo de jato em fumaça durante voos comerciais.
Porque o ar de cabine se torna contaminado?
Para criar um ambiente confortável e com pressão suficiente para respirarmos em altitudes onde aeronaves tipo jato voam, um suprimento de ar aquecido comprimido é necessário. Nos dias de hoje (à exceção do novo Boeing 787), esse ar é proveniente direto da turbina dos jatos e é conhecido como “ar sangrado”. Esse ar é misturado ao ar recirculado da cabine em uma proporção de 50/50. Embora parte desse ar seja recirculado, a sua totalidade tem origem do ar do compressor da turbina.
O ar sangrado vem da parte do compressor da turbina que tem que ser lubrificada. A maioria dessas turbinas tem “vedação molhada” para separar o ar do óleo e que não consegue ser 100% eficaz. Essa vedação, como qualquer outro componente mecânico, se desgasta e, consequentemente, sua eficácia se reduz.
Esse desgaste acontece mais rapidamente quando o motor está trabalhando mais, como quando em uma subida a potência total. Eventualmente, essa vedação pode falhar e permitir que uma quantidade significativa de óleo se misture ao ar superaquecido do compressor, resultando em fumaça e/ou névoa entrando na cabine. Isto é conhecido como “evento de fumaça”.
Não há filtros no ar sangrado do motor para impedir que isso aconteça.
O óleo usado para lubrificar as partes do compressor da turbina não são a base de hidrocarbonetos de petróleo, como os lubrificantes usados na combustão interna de motores de carros, motos, tratores, etc.. Turbinas operam a uma temperatura muito mais alta e, portanto, usam químicos sintéticos como parte do óleo. Em sua composição também existem aditivos organofosforados como agentes antidetonantes e outros hidrocarbonetos aromáticos como antioxidantes. Parte desse óleo acaba sendo parcialmente decomposta; exemplo: alteração química (“pyrolysed”) devido às altas temperaturas do motor.
Em resumo, a contaminação é composta de “óleo”, de seus aditivos e de produtos de sua decomposição. A toxicidade parece estar especialmente ligada aos dois últimos dos três acima mencionados.
Com qual frequência um “evento de fumaça” acontece?
O comitê do Reino Unido em Toxicidade de Químicos em Alimentos, Produtos de Consumo e do Ambiente (COT) aceita que um evento fumaça ocorra em 1 de cada 100 voos, segundo relatório de 2007. No entanto, em alguns tipos de aeronaves, os tripulantes reportam que eles percebem fumaça de algum tipo em todo voo e, como a definição de “evento de fumaça” não é reconhecida, torna-se impossível de dar um cenário real.
Como eu posso reconhecer que o ar da cabine foi contaminado?
Não há sensores que indiquem a presença de gases em modernas aeronaves a jato. O olfato da tripulação é atualmente a melhor forma de detecção no momento. Um pequeno vazamento de óleo pode ser detectado por cheiro (as descrições mais comuns são odor de “meia suja”, “cachorro molhado”, “vômito” e “óleo doce”). Mas, às vezes, a contaminação não é detectada pelo cheiro. Uma névoa azulada ou fumaça na cabine pode ser visível. Somente a visão de fumaça costuma ser reportada nos relatórios de voo, o que sugere que a real frequência não seja avaliada corretamente.
Quão relevante é uma contaminação ‘normal’?
Por ‘normal’ entendemos mínima (relativo a um evento de fumaça), porém significativa. O grau de contaminação dependerá do tipo de aeronave a jato e o quanto ela esteve em operação recentemente, entre outros fatores. Existem algumas medidas seguras de avaliação mas, baseado no que tem sido feito, estima-se que um quarto dos voos sofram de contaminação mínima, porém significante.
É importante lembrar que essa contaminação pode ser contínua ao longo do voo. Consequentemente, a exposição total pode ser tão significativa quanto a que ocorre após um evento de fumaça.
O teste com a fricção de uma gaze sobre as paredes e superfícies da cabine (Swab steting) confirma que os eventos de fumaça depositam uma substancial quantidade de resíduos no interior e nas superfícies da cabine, incluindo na pele de pessoas a bordo.
Quais os sintomas da síndrome aerotóxica?
Os sintomas podem ser severos (por um curto espaço) de tempo ou crônicos (longa duração). Qualquer combinação dos itens abaixo poderá ser experimentada:
Fadiga – sentir se cansado mesmo após o descanso
Visão embaçada e em túnel.
Arrepios e tremedeiras
Perda de equilíbrio
Convulsões
Perda de consciência
Perda de memória
Dores de cabeça
Tontura e sensação de cabeça leve
Confusão / problemas cognitivos
Sensação de estar intoxicado
Enjoo
Diarreia
Vomito
Tosse
Dificuldade para respirar /ficar sem fôlego
Pressão sobre o peito
Falta de ar, tornando necessário o uso do oxigênio
Batida do coração acelerada e palpitações
Irritação dos olhos, nariz e vias aéreas
Por esse motivo (diversos sintomas), o termo ‘Síndrome’ é utilizado. Muitos médicos não conhecem a Síndrome Aerotóxica e acabam por diagnosticar pacientes com diferentes doenças, como as psicológicas ou as desordens psicosomáticas, além de síndrome de fadiga crônica (CFS), “misteriosas” infecções por vírus, desordem do sono, depressão, stress ou ansiedade, ou simplesmente “jet lag’ causado pelo cruzamento dos fusos horário.
Embora algumas dessas desordens possam fazer parte da Síndrome Aerotóxica, quando um sintoma surge de forma isolada talvez não seja possível ligá-lo a raiz do problema, que é a intoxicação pelos componentes do óleo em um local fechado. Por consequência, qualquer diagnostico incorreto pode encaminhar o paciente para tratamentos inapropriados e que podem acarretar uma complicação do quadro.
Especialistas em medicina da aviação têm ciência do problema, mas a Síndrome Aerotóxica parece não ter sido oficialmente reconhecida pela maioria desses profissionais. Consequentemente, apesar de todo conhecimento e expertise dos médicos, eles acabam procurando outras explicações, já que há diversos sintomas neurológicos associados com a aviação que não estão somente ligados à inalação dos tóxicos do óleo.
A síndrome aerotóxica tem tratamento?
Para casos de curta exposição, os sintomas geralmente se resolvem e desaparecem sozinhos. Mas para casos de longa duração ou repetidas doses de curta exposição, pode haver sintomas mais severos. Permanentes danos neurológicos podem acontecer e para estes não há recuperação total.
Diversos tripulantes tiveram que se aposentar prematuramente por estarem com um ‘misterioso’ quadro de problemas neurológicos e que, em sua maioria, foram diagnosticados erroneamente.
Não existe cura mágica, mas há diversos especialistas que podem ajudar e buscar estratégias para auxiliar na recuperação desses quadros.
O primeiro passo é reconhecer o problema e evitar ou limitar as exposições aos agentes da doença.
Qualquer um pode ser afetado?
Sim. As toxinas atacam o sistema nervosa central (incluindo o cérebro). Não é simples prever como as diferentes exposições às toxinas podem afetar pessoas diferentes devido a variação genética entre cada um. Consequentemente, o corpo de um pode não ter o mesmo desempenho para se desintoxicar que o corpo do outro. Algumas pessoas podem ficar seriamente doentes após único voo e outras talvez nunca apresentem qualquer sintoma após diversos voos sob exposição aos tóxicos.
Dependendo do desempenho da desintoxicação, sintomas adversos podem ser cumulativos. Desta forma, qualquer um que voa frequentemente (uma vez ou mais por semana) é repetidamente exposto e está sob um risco maior.
Mesmo após um sério evento de fumaça é possível que os sintomas não apareçam de imediato, mas após algumas horas ou dias, doenças associadas a Sindrome Aerotoxica podem surgir.
Qualquer um dentro do avião tem o potencial para ser afetado, não importa se são pilotos, comissários, passageiros, primeira classe, econômica, crianças, etc..
As companhias aéreas não proveem nenhuma proteção contra os casos de fumaça. As máscaras de oxigênio automáticas não são eficazes para a remoção das toxinas do ar da cabine, isso porque o oxigênio suprido para essas mascaras pode ser usado APENAS em caso de despressurização da cabine e supre apenas 20 minutos, se misturando às toxinas do ar da cabine.
Mascaras com carbono ativado podem oferecer certa proteção contra essas toxinas, mas não com 100% de eficácia.
Todas as aeronaves estão susceptíveis a vazamentos de óleo na turbina?
Todas as aeronaves a jato, incluindo as turbo-jato, são susceptíveis a eventos de fumaça. Algumas tem o maior registro de “eventos de fumaça” da história, sendo elas BAe 146, Boeing 757.
Há quanto tempo o problema é conhecido?
O primeiro caso documentado da história aconteceu com um navegador de um C-130 Hercules que se tornou incapacitado de respirar ar de cabine em 1977. As propriedades neurotóxicas dos organofosforados são conhecidas desde antes da Segunda Guerra Mundial e a toxicidade do óleo de aviação aquecido é conhecida desde 1954.
Existe alguma solução para o problema?
Nas aeronaves modernas de hoje que usam o ar sangrado do compressor da turbina, a qualidade do ar pode ser melhorada e o risco de contaminação pelo óleo aeronáutico reduzido significativamente com as soluções abaixo:
O novo Boeing 787 Dreamliner, em vez de utilizar o ar sangrado do motor, emprega compressores elétricos abastecidos direto do ar da atmosfera.
Nas demais aeronaves, a instalação de sistemas para filtragem do ar que é enviado para a cabine eliminaria o problema. No entanto sistemas tecnicamente eficientes parecem ainda não ter sido desenvolvidos.
O uso de um óleo aeronáutico com uma fórmula menos tóxica poderia oferecer uma melhora significativa. Uma empresa francesa que desenvolve óleos para aviação, a NYCO, está continuamente desenvolvendo estes lubrificantes.
Sensores químicos para a detecção de contaminação do ar nos dutos de entrada do ar sangrado para a cabine poderiam alertar os pilotos para o problema, permitindo uma imediata ação preventiva.
A indústria aeronáutica está combatendo o problema?
Inúmeras pesquisas cientificas independentes encontraram claras evidencias de que o ar contaminado na cabine é a causa de diversos problemas de saúde crônicos. Ao mesmo tempo, governos e órgãos reguladores buscaram pesquisas que, embora admitam a ligação do ar contaminado de cabine com doenças crônicas, pararam de admitir os fatores. A indústria da aviação tende a usar um antigo grupo de pesquisas (apesar da sua frequente dúvida em termos de qualidade) para negar a existência do problema, enquanto ignoram a evidencia de estudos independentes e testemunhos de vítimas.
Uma característica da complexa situação da aviação internacional é que os órgãos reguladores, embora ligados a setores dos governos, na realidade são financiados e controlados pela indústria da aviação.
Não há dúvidas de que, ao levar em conta os gastos caso reconheçam o problema, a indústria defende que “não há evidencias”, ao mesmo tempo que confirma o problema, ao lançar o novo Boeing 787 com um sistema diverso do tradicional.
Até agora temos uma substancial estratégia por conta de alguns médicos, aeronautas e passageiros que estão cientes da síndrome aerotóxica.
O que aconteceu após o piloto do C-130 Hércules ter ficado incapaz de respirar? Fez um pouso bem sucedido...? Ou caiu...?